No Brasil, qualquer pesquisa que envolva seres humanos, direta ou indiretamente (o que inclui pesquisas sobre seus saberes, culturas e histórias), deve ser submetida e aprovada por um Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) vinculado à Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa).
Esta não é apenas uma obrigatoriedade burocrática, mas uma ferramenta fundamental para proteger os direitos, a autonomia e a integridade dos povos originários e tradicionais, que historicamente foram explorados por pesquisas extrativistas.
Por que é tão específico e delicado?
Pesquisas com povos originários e tradicionais vão além dos protocolos padrão de ética porque:
- Envolvem conhecimentos tradicionais associados a patrimônios genéticos, que podem ter valor comercial ou espiritual.
- Lidam com culturas que possuem protocolos comunitários próprios de consentimento, que podem não ser atendidos apenas pelo TCLE individual.
- Há um histórico de danos, exploração e violação de confiança.
- O conceito de "benefício" e "danos" pode ser muito diferente do ocidental individualista, envolvendo a comunidade como um todo.
Projetos com povos indígenas são classificados como área temática especial: entram pelo CEP da instituição e seguem para análise da CONEP após o parecer do CEP. Isso é regra do próprio Sistema CEP/CONEP. Além disso, as Resoluções CNS nº 466/2012 (geral) e CNS nº 510/2016 (Ciências Humanas e Sociais) preveem que, quando a cultura reconhece autoridade coletiva (lideranças, assembleias), a pesquisa precisa da anuência da comunidade/liderança, sem prejuízo do consentimento individual dos participantes.
Para Povos e Comunidades Tradicionais - PCT (ex.: quilombolas, ribeirinhos, extrativistas), a definição e o reconhecimento dessa condição decorrem do Decreto nº 6.040/2007 (PNPCT), que orienta a atuação pública e fundamenta a necessidade de respeitar formas próprias de organização e decisão. Há, ainda, diretrizes e materiais oficiais recentes da CONEP que retomam esses pontos (anuência de liderança, devolutiva de resultados em formato acessível etc.).
Passo-a-passo (prático e cronológico)
- Mapeie o escopo
Confirme se a pesquisa envolve povos indígenas e/ou PCTs e em que contexto (território tradicional, TI, UC, escola, serviço de saúde etc.). Classifique o tipo de pesquisa (CHS/biomédica) para aplicar 466/2012 e/ou 510/2016.
- Diálogo inicial e anuência coletiva (CLPI)
Antes da submissão: apresente objetivos, métodos, riscos/benefícios e planos de devolutiva em linguagem culturalmente adequada; obtenha anuência da liderança/coletivo (ata, termo de anuência) e planeje o consentimento individual (TCLE/assentimento em formatos acessíveis).
- Autorizações externas (se aplicável)
- TI: protocole autorização de ingresso na FUNAI (ANEXE a anuência da liderança).
- UC/coleta biológica: solicite SISBIO/ICMBio.
- Patrimônio genético/CTA: registre a atividade no SisGen conforme a Lei 13.123/2015.
- Monte o dossiê na Plataforma Brasil
Inclua: projeto completo; Termo de Anuência da Comunidade; TCLE/assentimento (em idioma/forma apropriados); plano de devolutiva de resultados à comunidade; estratégia de proteção de dados e saberes sensíveis; eventuais autorizações (FUNAI/SISBIO/SisGen) ou declarações de que serão obtidas antes do campo.
- Submissão ao CEP (entrada obrigatória)
Submeta ao CEP da instituição marcando a área temática especial – povos indígenas (quando for o caso). Após o parecer do CEP, o processo segue para a CONEP no próprio fluxo da Plataforma Brasil.
- Execução com monitoramento ético
Inicie o campo apenas após a aprovação. Mantenha notificações (eventos adversos, mudanças), emendas para qualquer alteração relevante e relatórios de andamento/final conforme 466/2012 e a Norma Operacional aplicável.
- Devolutiva e encerramento
Entregue resultados em formato acessível à comunidade (relatórios, oficinas, materiais bilíngues/visuais), conforme orientações atuais da CONEP para CHS; protocole o relatório final no CEP.